ARTIGOS

APONTAMENTOS SOBRE DOENÇAS CARDIOVASCULARES E A RELAÇÃO COM A PRÁTICA REGULAR DE ATIVIDADES FÍSICAS

APONTAMENTOS SOBRE DOENÇAS CARDIOVASCULARES E A RELAÇÃO COM A PRÁTICA REGULAR DE ATIVIDADES FÍSICAS

Por Carolina Rossatto Ribas


Médica Generalista

Análise do caso da aluna Angélica Regina Bueno, do Estúdio Rosi Dias

 

Baseada no perfil de paciente que a Angélica tem, e a pedido da educadora física Rosi Dias, pude complementar este relato com meu ponto de vista a respeito dos benefícios à saúde com a prática regular de atividades físicas. Evidente que o ganho é ampliado a todas as pessoas, sem exceção, mas me foi solicitado que focasse mais naquelas com doenças cardiovasculares. Deve-se lembrar que incluo entre estas doenças a pouco valorizada Hipertensão Arterial Sistêmica, doença que transita entre os principais fatores de risco para complicações cardíacas.

 

O caso e a evolução da Angélica me foram relatados pela professora Rosi, a fim de estudarmos a ideia de falar mais sobre o tópico. Depois, através de um longo questionário sobre seu histórico médico e sua doença cardíaca em si, percebi que Angélica mostra as experiências de complicações, e de recuperação, pelas quais milhares de pessoas passam diariamente.

 

Temos com ela, portanto, um exemplo a observar, haja vista que Angélica tem 58 anos e sua história inclui ter fumado por 30 anos, ser hipertensa há aproximadamente 20anos, ter tido maus hábitos de alimentação até um certo período da vida, etc. Repare que aí já temos alguns problemas, porque a alta dependência de nicotina associa-se frequentemente ao sedentarismo. Com estes fatores de risco agindo em conjunto, Angélica acabou por apresentar Infarto Agudo do Miocárdio aos 42 anos de idade, com necessidade de colocação de stents e, após seis anos, nova hospitalização, reintervenções cardíacas e complicações hospitalares.

Há três anos, Angélica pratica treinamento funcional com a educadora física Rosi Dias, duas vezes por semana, com evolução excelente e melhora na qualidade de vida e disposição, segundo ela. Ela conta também que percebeu ter diminuído a intensidade e frequência dos sintomas relacionados à doença cardíaca.

 

As doenças crônicas, principalmente as cardiovasculares, são atualmente as maiores causas de mortalidade no Brasil. É importante eu ressaltar que o impacto dessas doenças é prevenível! Os estudos provam que a prática de atividade física regular é considerada a intervenção com a melhor evidência científica para controle de doenças do aparelho circulatório.

 

Então Angélica está bem orientada, já que mesmo após os infartos, não age como uma pessoa debilitada e incapaz! Ao contrário disto, busca melhorar sua função cardíaca e “suar a camisa” na intensidade que é adequada à sua condição. O problema é achar que tem que ficar em repouso, estagnar para sempre, em casa, como muitos procedem. A prevenção ou a mobilização após um evento destes é fundamental, pois estas doenças acarretam incapacidades e diminuição da qualidade de vida por envolverem longas hospitalizações e, muitas vezes, deficiências posteriores.

 

É importante eu destacar que hipertensão, sedentarismo, dieta rica em industrializados, tabagismo etc, constituem grandes vilões para o sistema cardiovascular, seja da Angélica ou de qualquer pessoa. Noto que quando atendo pacientes com estes fatores de risco e outros importantes, tais quais obesidade e diabetes, existe uma resistência muito grande a respeito de mudanças nos hábitos de vida. Estas mudanças básicas seriam cuidados alimentares e exercícios físicos.

É comum eu ouvir: “Nem adianta que eu sou de outro tempo Dra, em que refeição da noite tem que ter carne gorda, feijão, arroz, massa e salada de batata”. Acreditem, eu posso imaginar o quanto é difícil para esta pessoa ouvir que deveria diminuir carboidratos e optar por folhas verdes e carnes brancas. Então não começo dizendo isso! Com essa radicalidade há pouco a ganhar..proponho sempre acompanhamento com profissional da Nutrição e ao menos uma tentativa de mudança, pois não podemos dar por derrotada uma proposta antes mesmo de implementá-la, o mínimo que for.

Quem sabe iniciar tirando a “salada de batatas” e trocando aquele arroz por integral? Até o dia em que este indivíduo já esteja receptivo a uma mudança bem mais drástica na alimentação, penso que nada ocorre da noite para o dia.

 

Além de investirem na dieta, oriento sempre sobre a prática regular de atividades físicas, especialmente aeróbicas, para estes pacientes com os fatores de risco citados. O aperfeiçoamento da capacidade cardiopulmonar para resistir às atividades propostas pelo exercício aeróbico (treinamento funcional e outros) é extremamente benéfico para pacientes com cardiopatias isquêmicas (doenças que têm como principal fator a obstrução ao fluxo de sangue nos vasos do coração, causando angina, infarto etc), e atualmente com indicação também para outra gama de variedades de acometimento cardíaco (não isquêmico).

 

A inatividade/sedentarismo, e também o hábito de fumar, estão fortemente associados a disfunções (aumento) de triglicerídeos e colesterol, gerando acúmulo de gorduras maléficas, que formam placas dentro dos vasos sanguíneos.

Para pessoas com estes fatores de risco (fumantes, sedentários, diabéticos, hipertensos, etilistas, pessoas que estão acima do peso ou apresentando exames alterados, como elevação de triglicerídeos e baixo valor de colesterol HDL), mas que ainda não tiveram infarto ou AVC e desejam prevenir, recomenda-se iniciar logo a movimentação!!! Isso ajuda a evitar que se venha a sofrer estas e outras complicações graves. Segundo algumas pesquisas dos últimos cinco anos, notamos que os homens praticam mais (ou tem mais motivação para praticar) os exercícios do que as mulheres. Isso foi relacionado ao aspecto psicológico, supondo que os homens teriam mais autoconfiança em superar algumas barreiras. Na possibilidade de igualar esta cifra, acredito que as mulheres podem provar o contrário. Não só podem, como devem!

 

Os programas de exercício aeróbico proporcionam melhor distribuição da gordura corporal, redução dos níveis de pressão arterial, diminuição da glicemia, menor incidência de diabetes do tipo 2, regressão das placas ateroscleróticas que obstruem as artérias do coração, redução dos níveis de triglicerídeos, aumento do valor do HDL-colesterol, que é o bom colesterol (portanto, ideal que esteja mais elevado), promovem perda de peso, modificação de comportamento e, consequentemente, melhora da condição de saúde das pessoas que praticam; além de comprovadamente melhorar aspectos psicológicos como ansiedade, humor deprimido, indisposição e angústia.

A American Heart Association ainda alerta para o benefício relacionado a novos eventos cardiovasculares. Ao praticar atividades físicas regulares, indivíduos que já sofreram algum AVC ou Infarto, tem risco menor de desenvolver novos eventos subsequentes.

Várias alterações morfológicas ocorrem em corações de pessoas que se exercitam de forma regular. Essas alterações promovem a melhora da função do coração como bomba e proporcionam melhor distribuição de oxigênio aos músculos.

 

A prática diária de 30 a 60 minutos de atividade aeróbica moderada a intensa é comprovadamente eficaz em reduzir danos, bem como diminuir risco cardíaco e vascular cerebral, por melhorar a perfusão sanguínea dos órgãos (o sangue passa a circular mais e de maneira mais eficaz, em termos práticos).

E veja: é considerado fisicamente ativo aquele que tem um nível de atividade igual ou maior que 150 minutos semanais (ou seja, pelo menos 5 dias de 30 minutos) de intensidade moderada, ou aquele que pratica atividade intensa no mínimo três vezes por semana.

 

No entanto, nem todas as pessoas aderem a estas mudanças comportamentais, talvez por ainda não conhecerem os reais benefícios.

Para este fim é que me coloco a disposição e me fiz presente no propósito da educadora física Rosi. Deste modo conseguimos orientar e conduzir aqueles que, por exemplo, estavam em dúvida se, após um infarto, conseguiriam ou poderiam se exercitar. Além, é claro, de reforçarmos que as pessoas que não apresentam uma doença, devem praticar a atividade aeróbica como forma de prevenção, desde jovens.

 

Sabemos que mais da metade dos pacientes que já desenvolveram um infarto, tem alto risco de ter um novo evento cardiovascular.

Temos estudos de 2015, muito recentes, informando que aproximadamente 10% apenas dos pacientes que sofrem um infarto vem a praticar alguma atividade física, após terem alta do hospital. Até um ano após a alta, os mesmos 90% restantes sendo acompanhados, permanecem sedentários, o que nos preocupa!!

Não foi, felizmente, o caso de Angélica, que está em plena atividade!

Mas estes números que apontei são bastante alarmantes, visto que o próprio evento hospitalar e a gravidade da doença já deveriam servir de alerta para mudança no estilo de vida das pessoas, e infelizmente ainda há pouca preocupação ou disposição por parte da população, com relação ao condicionamento físico. Ou seja, mesmo com benefícios bem claros, a prática de exercícios ainda é deficiente no Brasil. Com o passar da idade, esse percentual reduz-se ainda mais.

Ainda se sabe que a falta de orientação profissional sobre programas de treinamento adequados se associa, obviamente, com os baixos níveis de adesão da população.

 

A boa notícia que tenho é que esta é uma realidade que se pode mudar, com educação permanente dos pacientes sobre os riscos iminentes que correm ao levarem uma vida sedentária.

Entre as atividades aeróbicas, para aqueles que desejam iniciar, destacam-se caminhadas, natação, corrida, ciclismo, dança, patinação, etc.

Ainda tenho lido, e a educadora física Rosi pode falar melhor do que eu, que exercícios de resistência têm sido associados com um aumento substancial no desempenho miocárdico (do músculo do coração). Esses exercícios, portanto, têm potencial cardioprotetor comprovado.

Sempre indico uma avaliação com Cardiologista ou médico Clínico, dependendo do estado de saúde/doença, para iniciar atividades com supervisão e de maneira saudável, acompanhando a evolução de exames e do ganho em saúde.

 

E atualmente estão bem fundamentados os programas de Reabilitação Cardíaca ou Cardiovascular (RC) para serem praticados (com orientação) por pacientes cardiopatas, em que se faz o nível de atividade aeróbica, especialmente com membros inferiores (pernas) o necessário para assegurar melhor condição física, psicológica e social ao paciente. A reabilitação cardiovascular serve para recuperar e, inclusive, melhorar o condicionamento do paciente que sofreu um infarto.

Diferente de outrora, em que se mantinha algumas semanas de pouca movimentação após o Infarto, hoje a regra é começar a caminhar e realizar atividades diárias normais, tão logo o paciente esteja estável.

A RC incorpora exercícios aeróbicos, de fortalecimento muscular e de flexibilidade, para serem iniciados tão logo haja a estabilização clínica após um infarto do miocárdio. Na realidade, hoje o objetivo é que o paciente após a RC fique em condições melhores ou muito melhores do que aquelas em que se encontrava antes do evento cardíaco ou do diagnóstico de doença cardiovascular!

 

O recomendado é estimular a reabilitação (exercícios) com segurança!! Isto quer dizer que se deve fazer uma avaliação médica com Cardiologista, após um evento cardíaco ou hospitalização. A finalidade dessa consulta é determinar, nos seus detalhes os limites e quais as modalidades esportivas mais indicadas para cada caso.

Isso porque a Sociedade Brasileira de Cardiologia tem indicado programas de reabilitação apenas em situações clínicas com evolução estável, considerando a avaliação clínica e o resultado dos exames complementares. Para pacientes de moderado a alto risco, o nível de supervisão é diferenciado e há restrição para determinados exercícios físicos. Daí a importância desta consulta e acompanhamento médico rigoroso.

 

E evidentemente, é fundamental iniciar as atividades aeróbicas com profissional qualificado na área. Sabemos que as academias, na sua imensa maioria, não podem ou não se dispõem a receber clientes com problemas cardiovasculares pelo despreparo para lidar com eles. Então atenção a isto!

 

Percebo que a mudança é uma experiência desafiadora para todos! Mas posso assegurar que os benefícios são os mais diversos, para qualquer indivíduo que deseja iniciar uma atividade aeróbica. Isso porque observo os pacientes e vejo que, ao aderirem a um estilo de vida ativo, esta atitude por si só marca a adesão conjunta deles a outros comportamentos benéficos e saudáveis..uma coisa leva à outra, uma reação em cadeia!  

 

Mesmo se você ainda não está fazendo atividades físicas com um profissional, já pode começar hoje a aderir a um estilo de vida mais ativo, isto é – incluir no seu cotidiano rotinas como usar escadas, evitar o uso de transporte, preferir caminhadas, exercitar-se mais durante o período de trabalho e escolher atividades com alto gasto energético nos períodos de lazer (ex: correr com o cachorro nos finais de semana) como forma de melhorar o condicionamento físico. Quer coisa melhor?

Você, que tem pressão alta, está acima do peso, tem diabetes, fuma, ou está há muito tempo parado, ou que já tem doença cardíaca instalada, procure o seu médico e um bom profissional educador físico ou fisioterapeuta, conforme indicação, para ter seu acompanhamento da melhor forma.

E para aquele que é jovem e “saudável”, mas está bem paradinho na vida, aperfeiçoa esta saúde, te cuida e inicia já!! Estar exercitante é o foco na promoção da saúde!

 

Referências:

 

1. MORIGUCHI, EMILIO HIDEYUKI; CARLI, WALDEMAR DE; BRUSCATO, NEIDE MARIA. Hipertrigliceridemias. Rev Bras Med; 72(3): 101-11, mar. 2015.

 

2. COSTA, JUVENAL; GONÇALVES, TONANTZIN; HENN, RUTH; MANENTI, EULER; MOTTA, MONIQUE; NUNES, MARCELO; OLINTO, MARIA; PANIZ, VERA; WEBER, CÍCERO. Atividade física após hospitalização por doenças do aparelho circulatório. Rev. bras. ativ. fís. saúde; 20(5): 492-502, set. 2015.

 

3. JORGE, JULIANA DE GOES; SANTOS, MARCOS ANTONIO ALMEIDA; BARRETO FILHO, JOSÉ AUGUSTO SOARES; OLIVEIRA, JOSELINA LUZIA MENEZES; MELO, ENALDO VIEIRA DE; OLIVEIRA, NORMA ALVES DE; FARO, GUSTAVO BAPTISTA DE ALMEIDA; SOUSA, ANTÔNIO CARLOS SOBRAL. Nível de Atividade Física e Evolução Intra-Hospitalar de Pacientes com Síndrome Coronariana Aguda. Arq Bras Cardiol; 106(1): 33-40, Jan. 2016. tab, graf.

 

4. BRUNORI, EVELISE HELENA FADINI REIS; CAVALCANTE, AGUEDA MARIA RUIZ ZIMMER; LOPES, CAMILA TAKAO; LOPES, JULIANA DE LIMA; BARROS, ALBA LUCIA BOTTURA LEITE DE. Smoking, alcohol consumption and physical activity: associations in acute coronary syndrome. Acta Paul Enferm.; 27(2): 165-72, Mar-Apr/2014. tab.

 

5. VIEIRA, GUSTAVO FRODE MACHADO; FARRAPO JÚNIOR, CELSO LUIZ; SCHUHMACHER NETO, ROBERTO; TREVISOL, DAISSON JOSÉ; TREVISOL, FABIANA SCHUELTER. Avaliação clínica dos pacientes submetidos à cineangiocoronariografia no Hospital Nossa Senhora da Conceição, da cidade de Tubarão, SC. Rev. AMRIGS; 54(4): 427-31, out.-dez. 2010. tab.

 

6. SPANA, THAIS MOREIRA; RODRIGUES, ROBERTA CUNHA MATHEUS; GALLANI, MARIA CECÍLIA BUENO JAYME; MENDEZ, ROBERTO DELLA ROSA. Comportamento de atividade física de cardiopatas isquêmicos segundo perfil sociodemográfico e clínico. Rev Bras Enferm; 63(5): 741-8, Sep-Oct/2010.

 

7. ARAÚJO, CLAUDIO GIL SOARES DE. Reabilitação Cardíaca: Muito Além da Doença Coronariana. Arq Bras Cardiol; 105(6): 549-51, Dec. 2015. tab.

 

8. BRAGA, HELENA DE OLIVEIRA; GONZÁLES, ANA INÊS; STIES, SABRINA WEISS; CARVALHO, GABRIELA MARIA DUTRA DE; NETTO, ALMIR SCHMITT; CAMPOS, OSWALDO AUGUSTO; LIMA, DAIANE PEREIRA; CARVALHO, TALES DE. Protocolo de samba brasileiro para reabilitação cardíaca. Rev. bras. med. esporte; 21(5): 395-99, Oct. 2015. tab, graf.

 

9. SIERVULI, MARCOS TADEU FERREIRA; SILVA, ANGÉLICA DE SOUZA; SILVA, ADRIANA CRISTINA DA; MUZZI, RUTHNEIA APARECIDA LÁZARO; SANTOS, GIANCARLA APARECIDA BOTELHO. Infarto do miocárdio: alterações morfológicas e breve abordagem da influência do exercício físico. Rev. bras. cardiol. (Impr.); 27(5): 349-55, set.-out. 2014. tab.

 

10. VIDAL, TAINÁ MARIA DE SOUZA; BRANDÃO, SIMONE CRISTINA SOARES; BRANDÃO, DANIELLA CUNHA; BATISTA, GILMÁRIO RICARTE. Exercício aeróbico intervalado na reabilitação de pacientes com insuficiência cardíaca: revisão sistemática da literatura. ABCS health sci; 38(3): 166-71, set.-dez. 2013.

 

11. MAIR, VANESSA; BREDA, ANA PAULA; NUNES, MARCOS EDUARDO BOQUEMBUZO; MATOS, LUCIANA DINIZ NAGEM JANOT DE. Avaliação da aderência ao programa de reabilitação cardíaca em um hospital particular geral. Einstein (Säo Paulo); 11(3): 278-84, jul.-set. 2013. tab.

› Compartilhe este Post